Um Gentleman em Moscovo | Amor Towles
Privado da sua liberdade o Conde Rostov vê-se restringido ao hotel Metropol, a partir do qual, assiste às transformações de uma Rússia bolchevique. Um homem confinado a um espaço limitado, um Robinson Crusoé apanhado na tempestade de uma revolução.
A convicção do Conde de que o tempo das flores ainda regressaria ao Metropol é reforçada quando descobre que a melhor baixela do hotel fora guardada com todo o cuidado: os novos senhores destinavam-lhe um uso futuro. O gabinete do gerente será o primeiro a perder as gravuras com cenas de caça ao estilo inglês, substituídas por retratos de Estaline e Lenine, quando o novo gerente, um eficiente burocrata da confiança do partido, toma o seu lugar. A descoberta que, logo no início do livro, o conde faz nesse escritório – e que não nos é revelada -, será desvendada quase no fim do romance, quando finalmente lhe dá o devido uso.
A evolução da Rússia bolchevique encontra no Metropol o seu espelho, alterando o uso dado dos seus salões e a clientela dos seus restaurantes e bar. No hotel vive-se um verdadeiro microcosmos das novas relações de poder que abremcaminho a um regresso à autocracia em todas as suas formas exceto no nome. E quando a Rússia se abre ao mundo, é ao Conde que um alto funcionário do partido recorre para aprender as regras da boa etiqueta, abrindo-lhe as portas dos salões europeus. …em especial, gostaria de compreender as classes privilegiadas… porque são elas que continuam a deter o poder. Ao Metropol chegam não só os reflexos dessa Rússia em construção, mas também da radiante América, presente nos filmes que o Conde assiste com o seu discípulo do aparelho bolchevique. Amor Towles oferece-nos um inesquecível relato das cenas mais marcantes desses filmes e de como a sua magia conquista, tanto o público americano como os novos senhores da Rússia, apesar da frieza social bolchevique. Educado no tempo do Czar, o Conde assiste a tudo isto como um observador fortuito e, como tal, acha-se no direito de pôr em causa a metodologia do cientista experiente. Mas sempre com uma imensa diplomacia e um charme que desarma o mais recalcitrante opositor.
As comidas e os vinhos, degustados por quem dispõe de um palato privilegiado, são o pretexto parar autênticas obras primas da narração.
Amor Towles sabe que os grandes romances são da dimensão dos seus personagens e o Conde Rostov surge-nos como um perfeito gentlemanque pelo seu charme, cultura e humor não se deixa dominar pelas circunstâncias da vida, e ilumina para si e para os outros o caminho a que se vê obrigado a trilhar. Um homem propenso a ver o melhor que há em nós. Mas será nas suas fragilidades que este personagem atinge a sua grandeza plena. Por vezes, o narrador surpreende-se com a história que vai narrando e, cúmplice, alerta-nos para as dificuldades que o leitor poderá sentir, ou recomenda-nos a não prestar atenção a um personagem cuja incursão na história é esporádica e não voltará a repetir-se. Um adereço pode acompanhar-nos durante todo o romance, um mistério que nunca chega a revelar-se ou um testemunho da sabedoria de quem o adquiriu, como o relógio que apenas tocava duas vezes ao dia. Ao aproximar-se o fim do livro, o leitor não deseja separar-se do Conde Rostov; os grandes personagens são por natureza imortais. Em resposta, o autor brinda-nos com um final elegante, intenso e surpreendente. Um estrondoso desfecho a merecer uma ovação de pé.
sobre o livro citação #1 citação #2
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