Big Mal & Companhia | Gonçalo Pereira Rosa

A história da época 1981-82 em que o Sporting ganha a taça e o campeonato, surge-nos a partir do ponto de vista dos seus protagonistas e, fazendo jus a Big Mal, mostra-nos que o mito se constrói a partir dos atletas e da sua relação com os adeptos. Não é por acaso que Gonçalo Pereira Rosa abre o livro com uma caminhada pelo túnel de acesso ao estádio,  uma caminhada solitária que termina no relvado do Estádio, repleto de aficionados, luz e festa. Quem protagoniza essa caminhada é Big Mal, o treinador Malcolm Allison. Só, enfrenta o estádio repleto, dá uma volta completa cumprimentando os adeptos, distribuindo beijos e saudações, no fim logra conseguir o que se propunha: criar um momento de viragem, para si, para a sua equipa e para o Sporting. Nada voltaria a ser igual.

 

Esta abertura poderosíssima, narrada a partir do acesso ao Estádio, um túnel áspero ao tacto e mal iluminado, é uma alegoria da via dolorosa que conduz a esse espaço de luz, berço do maior espetáculo do mundo e fábrica de celebridades. Local onde, se a sorte e a arte sorrirem, se alcança a glória; sempre com muito esforço e dedicação. Caminhada que permite desconstruir o mito nos seus alicerces humanos, nas suas fragilidades. O túnel é um momento de espera, de reflexão, nas suas paredes ressoam em surdina milhares de orações e outros tantos suspiros. Sai-se dele homem, é uma caminhada iniciática. A todos espera-os o palco verde, esse organismo vivo que respira, é assim o Estádio de Alvalade. O espetáculo prestes a iniciar-se, não teve ensaio geral.

O futebol português vive tempos de ingenuidade, sem o primado das TVs, sem empresários a formatar a carreira dos jogadores e, caso sintomático, com espaço para acolher o parapsicólogo Zandinga e o eterno Pinto da Costa. Com João Rocha, então presidente, o Sporting dará passos decisivos na profissionalização da equipa de futebol, sem esquecer as demais modalidades.

Big Mal é um treinador controverso, faz uma revolução na forma de treinar, impõe cinco horas de jejum antes de cada partida, antecipando o almoço para o meio da manhã, termina com os estágios antes dos jogos decisivos, responsabiliza os jogadores, sem comprometer a disciplina. O plantel responde e troca por suor toda a confiança que lhe foi dada. Impõe limite à autoridade das estruturas dirigentes, quando João Rocha acabado de ocupar o lugar no autocarro se queixa do fumo de tabaco, Big Mal sugere-lhe que siga na sua viatura pessoal, o que acabou por acontecer. Será recordado não só pela liberdade que permitia aos jogadores, mas sobretudo pelo rigor e responsabilidade que lhes exigia. Eurico, um dos jogadores, recorda: ofereceu-nos naquela época um conceito de liberdade vinculado ao de responsabilidade.

A relação com a imprensa nem sempre foi pacífica, mas Big Mal sabe que o bom jornalismo promove o mito sem comprometer a verdade, exemplo disso é a frase retocada numa redação de jornal e atribuída a António Oliveira: Por cada leão que cair, outro se levantará.

Gonçalo Pereira Rosa conta-nos uma história arrebatadora, tanto quanto as vitórias e dissabores dos homens que deram corpo àquela época o permitem e, mesmo para alguém não aficionado como eu – e com outras inclinações clubistas –, este é um relato empolgante que prende o leitor e o transporta para o centro da festa, dos seus bastidores, das suas dores e inigualáveis alegrias. Este livro concede ao leitor o privilégio de comungar da magia do futebol.

Alvalade ruge como um leão. Grita ainda mais, fazendo disparar alertas nos sismógrafos da cidade.

sobre o livro