A história da PIDE | Irene Flunser Pimentel

Este livro sobre a história da PIDE divide-se em cinco partes: a relação com o Estado; os seus poderes, funções e evolução; os principais adversários; outros adversários e vítimas; métodos; prisão e julgamento.

A PIDE surge da reorganização das forças policiais que a antecederam e veio assegurar um papel fundamental na defesa do Estado Novo. Perseguindo e punindo, será pela intimidação que impõe um papel dissuasor levando as pessoas a não se meter em política.

Uma rede de informadores informais ou anónimos, poucos eram os remunerados, mantinha a população convencida de que os ouvidos da PIDE chegavam a todo o lado. A dimensão e eficácia desta rede de informadores foi um mito alimentado para difundir o receio entre os portugueses. A ação da PIDE bebeu muito dos métodos da polícia alemã Gestapo que praticava a custódia protetora, um eufemismo para detenção sem culpa formada. Contudo, fiel aos brandos costumes do povo português, existia a preocupação pela legalidade: só eram detidos aqueles que atentavam contra o Estado e não se admitia o uso da tortura. Dava-se cobertura de lei à ideia de que a polícia devia corrigir as sentenças dos tribunais e ter uma ação «preventiva», no sentido de prender os habituais «contraventores» antes que passem ao acto. O arbítrio herdado da PVDE, sua antecessora, transformado «cientificamente» em lei. O aplicar meia dúzia safanões a tempo nessas criaturas sinistras a que se referia Salazar na entrevista a António Ferro. Safanões aos quais os inspetores, regra geral, não assistiam. Nos tribunais plenários era frequente o juiz alertar para o facto de não admitir denúncias de torturas nem acusações contra a polícia política. Mesmo depois do 25 de Abril, com a prisão e julgamento dos seus elementos, a maioria dos inspetores negaram a existência de tortura. Houve quem alegasse saber de alguns elementos que faziam horas noturnas extraordinárias e que, em alguns casos, os interrogatórios se prolongavam noite adentro a pedido do detido.

Sobre o processo de recrutamento dos seus agentes, a autora não encontrou evidências de que tivesse por base aspetos ideológicos, até pelo perfil de baixa escolaridade e pelo foco único e redutor do combate ao comunismo.

Ao contrário da Gestapo que criminalizou aspetos raciais, associais, morais e de foro privado, a atuação da PIDE foi seletiva e dirigida contra os adversários políticos do Estado Novo: reviralhistas, anarcossindicalistas e comunistas, sendo estes últimos considerados irrecuperáveis e sobre os quais incidiu a maior repressão. O tratamento da PIDE variava com a classe social e a organização a que pertencia o detido, amante das hierarquias e respeitador das elites, a PIDE enviava o intelectual para a tortura do «sono», continuando, porém, a tratá-lo por «senhor doutor».

No período do Estado Novo passaram 15.000 presos políticos pelas celas da PIDE/DGS, vítimas do seu sistema de justiça política; para se ter uma ideia da dimensão deste número, recorde-se os duzentos mil mortos e um milhão de presos políticos durante os trinta e sete anos de franquismo em Espanha. Sobre a eficácia da repressão, a autora recorda que se houve alguns espaços de dissidência e resistência, a população portuguesa, no seu conjunto, permaneceu apática e passiva, a «viver naturalmente», como pretendia Salazar. No ultramar português, a PIDE desenvolveu um trabalho de recolha de informações para os militares considerado relevante para a boa condução da guerra do ultramar. Essa estreita colaboração com os militares explica a atuação do MFA em relação à PIDE na revolução do 25 de Abril; a PIDE seria mantida em operação nas províncias ultramarinas.

A ideia inculcada na mente da população portuguesa de uma força policial omnipresente e omnisciente, contribuiu para desencorajar possíveis veleidades de outros actos de desobediência, instalando o medo e convidando ao silêncio e à resignação. Conhecer a sua história é um tributo aos que sofreram e morreram às suas mãos para que hoje possamos viver em liberdade e democracia.

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Irene Flunser Pimentel é historiadora, investigadora do IHC (Instituto de História Contemporânea), tendo vasta obra publicada sobre a nossa história contemporânea, com particular incidência sobre o período do Estado Novo.

A história da PIDE, de Irene Flunser Pimentel, Textos e Debates, Círculo de Leitores.

(1ª edição 2007)

Esta recensão foi publicada na revista Justiça com A.