Canções Mexicanas by Gonçalo M. Tavares
Fragmentos, instantes revisitados pela memória de um turista que se deixa arrastar pela cidade do México. O ser humano é presença perturbadora de todas as paisagens, ele é a essência do mal, ao qual se acomoda melhor do que à miséria. Caminheiro de ambientes hostis.
Em cada capítulo o autor pega num momento, numa palava ou num ato, só perceptíveis à luz da loucura humana, só desculpáveis pelo mal. Ato repetido até à exaustão, como se tivéssemos dificuldade em perceber, como se insistindo sobre uma mesma imagem se conte melhor uma história. “A ellos nos les gustan las fotografias, diz o velho, o dono da casa – no les gustan, explica.”
Para quem nos habituou a uma escrita escorreita, reduzida ao texto essencial e despojado, Gonçalo M. Tavares, surge-nos aqui seduzido pela sonoridade dos fonemas que se desdobram em inesgotáveis caminhos, como se em nós, a alma fosse uma palavra que se repete até à eternidade. “…todos os homens dão besito àquilo?, pergunto eu, todos, responde ela, todos, diz de novo, todos, repete.”
Quando nos perdemos na loucura dos outros desaparecemos na paisagem deixando de a contaminar. Toda a nossa inocência fica refém dessa demência colectiva. Este é o relato de uma descida ao lado obscuro do ser, ao entendimento distorcido do outro, à geometria improvável da alma.
Devíamos aprender a dançar a Tarantela, é mais seguro do que sermos atropelados, muito mais seguro, pelo menos na cidade do México, onde só entra quem conhece a maldade.
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